sábado, 17 de julho de 2021

As ciladas do demônio

 

 ESCRITO EM 17 DE JULHO DE 2021 POR EDUARDO SILVA

“Temos por certo que o demônio não economizará meios para fazer com que venhamos a perder nossa salvação, e, se precisar inspirar em nós alguma devoção, ele o fará, se dela se servir para afastar-nos da verdadeira perfeição cristã”.


Aqui, neste breve e resumido texto, pretendo destacar os pontos em comum que achei nos escritos de São Luis Maria Grignion de Montfort, na sua obra ‘Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem’; nos escritos de Lorenzo Scupoli, na sua obra ‘O Combate Espiritual’ e nos escritos de São Francisco de Sales, cuja obra chama-se ‘Filoteia’, que, de modo particular, cada um a sua maneira, nos alerta sobre um truque muito sujo do demônio para levar “santamente” muitas almas para o inferno.

Lorenzo Scupoli, por sua vez, nos ensina em que consiste a verdadeira perfeição cristã, que “não é outra coisa além do conhecimento da bondade e grandeza de Deus e da nossa nulidade e inclinação a toda a espécie de mal; a meditação da paixão de Cristo e alguma outra coisa que o Senhor quiser nos revelar”. Ensina-nos esse sacerdote que, o demônio, valendo-se dessa inclinação que temos para fazer o mal, "as vezes não somente não se opõe as nossas práticas e obras exteriores, com jejuns, terços e esmolas, como até nos proporciona praticá-las com gosto e deleite, se o nosso coração continuar esquecido e abandonado as inclinações desse demônio oculto". [...]o demônio, explica o sacerdote, "também usa do engano para sugerir-nos, nas orações, alguns pensamentos sublimes, curiosos e agradáveis, afim de que se creiam arrebatados ao terceiro céu, como São Paulo, e, persuadindo-se de que já não são deste baixo mundo, vivam numa abstração total de si mesmos e numa profunda alienação de todas aquelas coisas das quais deveriam se ocupar”.  

“Temos por certo que o demônio não economizará meios para fazer com que venhamos a perder nossa salvação, e, se precisar inspirar em nós alguma devoção, ele o fará, se dela se servir para afastar-nos da verdadeira perfeição cristã”.

São Francisco de Sales, que para o meu espanto não só viveu no mesmo século (XVI) de Lorenzo Scupoli, mas também o conheceu, escreve de maneira diferente, mas sem perder a essência dessa verdade, de como é fácil para nós cair nesse truque sujo do demônio que não se opõe as práticas de alguma devoção puramente exterior se essas práticas se tornarem fins, quando deveriam ser meios poderosos e desejáveis para alcançar a perfeição cristã.

Escreve o santo:

“[...] cada um se afigura e traça a devoção, empregando as cores que lhe sugerem as suas paixões e inclinações. Quem é dado ao jejum tem-se na conta de um homem devoto, quando é assíduo em jejuar, embora fomente em seu coração o ódio oculto; e, ao passo que não ousa umedecer a língua com umas gotas de vinho ou mesmo com um pouco de água, receoso de não observar a virtude da temperança, não se faz escrúpulos de beber em largos goles tudo o que lhe insinuam a murmuração e a calúnia, insaciável do sangue do próximo”. Continua o São Francisco de Sales, “uma mulher que recita diariamente um acervo de orações se considerará devota, por causa desses exercícios, ainda que, fora deles, tanto em casa como em qualquer outro lugar, desmande a língua em palavras coléricas, arrogantes e injuriosas.”  

São Luis Maria Grignion de Montfort, na sua obra “O Tratado da verdadeira Devoção à Santíssima Virgem’, no número 97 escreve: 

Os devotos presunçosos são pecadores abandonados as suas paixões, ou amantes do mundo, que, sob um belo nome de cristãos e devotos da Santíssima Virgem, escondem ou o orgulho, ou a avareza, ou a impureza, ou a embriagues, ou a cólera, ou a blasfêmia, ou a maledicência, ou a injustiça, etc; que dormem placidamente em seus maus hábitos, sem se violentar muito para se corrigir, alegando que são devotos da Virgem; que prometem a si mesmos que Deus lhes perdoará; que não hão de morrer sem confissão, e não serão condenados porque recitam seu terço, jejuam aos sábados, permanecem à confraria do santo Rosário ou do escapulário, ou alguma congregação, porque trazem consigo o pequeno hábito ou a cadeiazinha da Santíssima Virgem, etc.” 

Como vemos nas palavras de Lorenzo Scupoli, São Francisco de Sales e São Luis Maria Grignion de Montfort, a maioria de nós têm um vago ou nenhum conhecimento do que é realmente e em que consiste a verdadeira perfeição cristã. Essa ignorância, que é muito bem aproveitada pelo demônio para nos levar “santamente” para o inferno, tanto mais é danosa quanto mais depositamos nossas esperanças nas consolações e práticas puramente exteriores, enquanto o coração (o nosso interior) mostra-se complacente para com nossas más inclinações. Fica evidente, nestes casos, que estamos colocando nossas esperanças em nós mesmos e nas nossas obras exteriores, e não na bondade e misericórdia de Deus.

Pode ser que seja dessa imperfeição, ou de muitas outras, que nasça a crítica da maioria dos católicos modernistas no tocante as missas tradicionais rezadas em latim, por exemplo, - e não sem alguma parcela de razão -, alegando esses que muitos ali fiam-se nas práticas puramente exteriores, enquanto o coração está fechado para a caridade. 

Certamente esses críticos falam dessa armadilha que os padres e santos da igreja já de há muito nos alertaram. Mas, entretanto, eu particularmente fico na dúvida se essa crítica que os modernistas fazem é movida pela caridade cristã ou pelo demônio, que já incutiu em muitas almas relaxadas uma aversão por qualquer expressão externa de piedade e de devoção cristã.

Não deveria ser necessário lembrar que os padres e santos da Igreja, desde muitos séculos, ensinam que “as práticas exteriores são meios poderosíssimos para conquistar a verdadeira perfeição cristã e o verdadeiro progresso espiritual, quando usados com prudência e discrição; para adquirir força e vigor contra a própria malícia e fragilidade, para defender-se dos assaltos e tentações do nosso inimigo comum e, enfim, para obter a misericórdia divina e os auxílios e socorros que são necessários a todos os que exercitam nas virtudes e, particularmente, aos iniciantes”.

Em suma, são muitos os assaltos do demônio, que não perde uma oportunidade de virar o jogo e nos roubar, até mesmo quando praticamos alguma coisa boa e com reta intenção. 

Em nosso combate, que se inicia a cada dia no momento em que acordamos, tenta o demônio roubar qualquer boa intensão que temos para aquele dia; quando não consegue, visa então impedir que enxerguemos os meios disponíveis que favorecem a realização desses bons propósitos; não conseguindo roubar-nos os bons propósitos para aquele dia e não conseguindo impedir que vejamos os meios disponíveis para realizar as coisas que agradam a Deus, este ser imundo apela para a procrastinação, sugerindo-nos que deixemos para amanhã as nossas obrigações do hoje. 

"[...] lembra-te também que aquele que te dá a manhã não te promete a tarde, e ao dar-te a tarde não te assegura a noite". (Lorenzo Scupoli) 

Se, pela graça de Deus, depois de todos esses ataques do demônio, conseguimos nos manter firmes no propósito de fazer aquelas boas obras que não apenas são de nosso dever de estado, mas para aquele dia, esse ser imundo, que nunca se dá por vencido, nos inspirará com pensamentos de vanglória, insinuando que somos bons e autossuficientes, ou algo do tipo...

Um eficaz remédio para esse "último" ataque, é meditarmos da seguinte forma: “Senhor, se fiz algo de bom foi por tua graça e vontade. Sei que o que fiz é incompatível com o tamanho da graça recebida para tal feito, “mas recebei, Senhor, como um gesto de amor, tudo aquilo que eu puder Vos ofertar”.

Eduardo Silva

17.07.2021